A CONSCIÊNCIA CÓSMICA – PIERRE WEIL

Vitor Silva

A Consciência Cósmica, atendida pelo subtítulo Introdução à Psicologia Transpessoal, é um pequeno livro de 88 páginas datado de 1976. Nele, as abordagens de temas místicos são afinadas com as conquistas do conhecimento moderno. Encontrando no didatismo do autor, a clareza de exposição.

Postulando a organização do saber milenar nos domínios da mística através dos representantes de vários troncos religiosos, o livro propõe, até a data do lançamento, explicar os principais estudos da Psicologia Transpessoal, termo vislumbrado primeiramente por Abraham Maslow, incorporando as ideias de Carl G. Jung. A Psicologia Transpessoal trata especificamente dos estados de consciência, melhor, dos estados superiores da consciência.

Esses estados vividos por místicos de muitas épocas e pessoas comuns, são estudados partindo do princípio de sua existência manejada pelos sentidos normais apreendendo a realidade fora do espaço-tempo. Descrições matemáticas sofisticadas como o “diagrama de Penrose” (não citado no livro) que trabalha nos ângulos além do espaço-tempo, são aproveitadas como hipótese de trabalho da forma como a consciência se projeta do universo dos fenômenos. O estranho é que na consequente posse das palavras para descrever esse estado, quando novamente mergulhamos na realidade do mundo físico, segundo o autor, é sempre inferior ao nível experimentado. Ali o espaço tridimensional perde sua validade e o tempo inexiste.

O interessante da abordagem é tratar algo essencialmente abstrato, como o sentimento provindo do êxtase, por vias de controle eletrocardiográfico e eletroencefalográfico, técnicas disponíveis na época. O método transpessoal é contra a utilização de drogas psicodélicas para ampliação da consciência, visto o malefício social e a facilidade para o desenvolvimento de psicoses. Contudo, não deixa de lançar mão dos muitos estudos realizados sobre o tema, principalmente os relatos, dentro do programa de abordagem sistêmica que o caracteriza.

O autor propõe que o livro poderia ter sido batizado com outros nomes, dado os inúmeros nomes a essa experiência. Há uma vasta literatura histórica sobre estados superiores de consciência e, por isso mesmo, as quantidades de termos beiram os sinônimos. Mas Pierre Weil ressalta a complexidade do domínio subjetivo e sua difícil objetivação normativa. Importando frisar que termos como a experiência oceânica descrita por Freud, e o conceito evangelista de sétimo céu, apesar de utilizarem referências autônomas, guardam semelhanças para essa psicologia.

São níveis situados além da experiência normal de consciência. E hoje, neste tanto escrever sobre o que seria a normalidade, das indefinições claras acerca do mundo dos sentidos, sem desmerecer as grandes conquistas da Psicologia clássica, os estudos transpessoais poderiam contribuir.

O livro trabalha com rigores do método científico e faz questão de citar inúmeros trabalhos que se valeram do controle. Uma obra desse gênero precisa da riqueza de isenção e análise atenta dos estudos. É um tema considerado dentro da epistemologia “cerebrocêntrica” como desprovido de propósito, portanto a pesquisa deve ser, quem sabe, até mais rigorosa que as de temas consagrados pela cultura científica.

As naturais hipóteses de trabalho apareçam no decorrer do livro e podem causar estranhamento ao se colocar a filosofia yogue ao lado da mecânica quântica. Mas não está radicada aí a provocação de Niels Bohr, relatada por Heisenberg em seu A Parte e o Todo, quando na discussão com outro “pai quântico”, Wolfgang Pauli?

“Endosso a insistência positivista na clareza conceitual, mas sua proibição de qualquer debate sobre questões mais amplas, apenas por nos faltarem conceitos suficientemente bem definidos nessas áreas, não me parece útil; essa mesma proibição impediria que compreendêssemos a teoria quântica.” HEISENBERG, W. A Parte e o Todo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. p. 240-241.

De que valeria apontar um fenômeno aparentemente intrínseco na fenomenologia humana, como a imersão da consciência em níveis profundos, e não buscar as causas responsáveis por sua existência? A barreira é menos técnica e conceitual do que se imagina. O grande empecilho aos estudos dessa natureza se encontra nos estereótipos, frutos do olhar rápido sobre o estudo. Devido a proposta querer enlaçar diferentes disciplinas aparentemente irreconciliáveis desde os estudos de René Descartes, é natural delongar um tempo bem maior que o da Psicanálise para a aceitação de seus objetivos teóricos e práticos.

Como a bibliografia da época já apontava, há uma intensa pesquisa do tema correndo o mundo. Essa pesquisa vem de encontro às lacunas do método científico clássico que praticamente varreu a subjetividade do seu campo. Como é impossível calar o inato do indivíduo, o amadurecimento de nossa época por ocasião flexibilização da sociedade perante a ortodoxia, demonstra a necessidade de respostas criativas ante o complexo fenômeno da consciência.

Estudos como esse sugerem que o atual modo de leitura científica do mundo se encontra insatisfatório. Desde a destruição progressiva dos recursos naturais, o completo desrespeito com cobaias, o entrelaçamento robusto dos laboratórios farmacológicos com o comércio exploratório, os mandos e desmandos da indústria do petróleo e o contingente exponencial de suicídios e criminalidade. Culminância do desconhecimento da psique profunda e suas intrincadas relações físicas, biológicas, antropológicas e cosmológicas.

Ninguém discutirá se a Ciência é útil ou não, a resposta será sempre positiva. É passível de discussão se a ortodoxia científica perante o edifício erigido no decorrer da História não deveria se reconciliar com o princípio da consciência, apontado a milhares de anos. O que perderemos com isso?
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Pierre Weil (1924-2008) foi educador e psicólogo nascido em Estrasburgo (Alsácia, França). Escolheu o Brasil para viver. Foi reitor da Unipaz – Universidade Holística Internacional, sediada em Brasília. É autor de 40 livros, entre eles o clássico O Corpo Fala.

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