ANTOLOGIA DO ÊXTASE – PIERRE WEIL

Vitor Silva

O psicólogo Pierre Weil (1924-2008) vivenciou uma experiência transformadora enquanto clinicava e dava aula – seu trabalho não o fazia ser feliz. Imerso em reflexões sobre a vida, percebeu a necessidade de buscar o caminho Transpessoal da Psicologia (Quarta Força). Consequentemente descreve as particularidades de suas experiências místicas de maneira muito próxima ao sentimento do leitor. Diferentemente de outros manuais de psicologia em que há separação entre aquele que estuda e o ser estudado.

Percebeu em si mesmo a potencialidade que todos os seres possuem de entrar em comunicação com o Universo sem que necessariamente essas informações precisem passar pelo campo racional. Com coragem, relata as diferentes formas de clarividência despertadas no decorrer de seu aprendizado.

Antologia do Êxtase é uma oportunidade de conhecimento para quem não teve essa experiência, ou sequer ouviu falar dela. Apesar de, para o autor, o êxtase ser de natureza universal. Existe em todas as culturas e em todos os tempos sob diferentes nomes. O psicólogo antevê, ainda, que os relatos dessa experiência aumentarão cada vez mais.

Compreende que mesmo com todo conforto da era tecnológica, nós ainda somos nostálgicos para a nossa verdadeira natureza. O homem contemporâneo necessita deste estado, desse Religare, pondera. Para ele, mais importante que as mais importantes descobertas técnicas do século XX, foi a descoberta, pela Psicologia Transpessoal, da Consciência Cósmica.

Muitas das façanhas da alta tecnologia podem ser realizadas pelo Espírito, uma vez que a energia está a ele subordinada, e questiona: “Não será, portanto, o conhecimento da natureza do espírito o verdadeiro caminho que nos possibilitará conhecer a natureza da Natureza?”

Defende que superficialmente as religiões tradicionais possuem muitas diferenças; a abordagem do livro revela os pontos em comum entre elas. Dessa forma, o estado transpessoal (de unidade) transcende a cultura e a superfície das religiões.

Em outra faceta do livro, Pierre diz que nossa filosofia moderna trata a metafísica como algo especulativo e racional, ao passo que a filosofia antiga dava-lhe tons transpessoais. É sabido que natureza e ser eram indistinguíveis para a filosofia antiga. Até mesmo o termo “meditação” significa, para o filósofo contemporâneo, uma profunda reflexão intelectual. Na sua origem o termo significava, ao contrário, o abandono do estado dualista do pensar a fim de se atingir o espaço não dual da sabedoria primordial.

A experiência transpessoal começa onde a razão não é suficiente para explicar o real. Mas com a proeminência do lado esquerdo do cérebro, bem ao sabor Ocidental, essa experiência sequer pode ser cogitada. Fruto desse distanciamento é comum acreditarmos que essa imersão se dá somente com sumo transcendidos como Buda e Cristo. Pierre demonstra que pode ocorrer com qualquer um. Havendo um maior interesse em conhecer esse nível, nos dias de hoje, porque estamos passando por angústias sociais altíssimas.

Contudo, devido à forte barreira cética, é necessário que tais relatos sejam investigados dentro dos exames clínicos, para aumentar-se a evidência do relato subjetivo. Esses relatos podem parecer alucinações, mas não é o caso. Eles são passíveis de controle por métodos rigorosos, podendo-se por meios de aparelhos, observar-se o início e o fim da experiência. A verificação dos componentes fisiológicos seguido de relatos, pode caracterizar uma prova. O livro explica de que forma.

As pessoas que relatam esses estados subjetivos, ao mesmo tempo em que tem suas atividades fisiológicas estudadas, são completamente normais, sem qualquer histórico psiquiátrico. Incluindo-se mestres espirituais. Esses estudos surgiram através do psicólogo Abraham Maslow, que percebeu em muitos de seus alunos relatos de experiências de pico.

Há uma lista de efeitos que surgem dessa experiência de unidade:

  1. Não pode ser descrita por linguagem.
  2. Surge espontaneamente.
  3. A sensação do espaço e do tempo “desparece”.
  4. Inexistência do ego.
  5. Surgimento de manifestações parapsicológicas, vivências regressivas ou visão “como num filme” de fases da vida passada, do nascimento e da vida intra-uterina, de memórias ancestrais animais, vegetais, celulares, minerais, moleculares, atômicas e subatômicas.
  6. Experiência nua com a realidade.
  7. Mudança posterior de comportamento.
  8. Perda do medo da morte.

Entre outras.

Essas experiências explicam também a diversidade de símbolos acerca da transcendência que são passadas de cultura para cultura, segundo a escola mística. Cada um relatará de maneira pessoal aquilo que experimentou, criando por consequência, seu conjunto particular de metáforas. Mas além de seu aspecto espontâneo, o estado transpessoal pode ser induzido pelo uso de técnicas como a meditação, alguns tipos de dança, prática de yoga, etc.

No livro constam alguns relatos de pessoas famosas, descrevendo a forma como foi percebida e vivida essa transcendência. Tais relatos constatam um “nada cheio de vida”, o pleno de Parmênides de Eléia? Também se revela, de maneira incontestável, a imortalidade da alma e a existência da Ordem Cósmica.

Nesses relatos vemos a interpretação do significado em Lilian Silburn, a reflexão meticulosa do acontecido em Richard M. Bucke, a poética da transmutação do mundo na Dança de Shiva em Fritjof Capra, a interpretação analítica do self de Karl Jaspers, o aturdimento de Freud com o sentimento oceânico, Durckheim e seu encontro com o Ser e desejo de mais Ser, ponderando a natureza profunda daquilo que sentiu, e mais outros pensadores.

O autor estuda essa experiência, em capítulos separados, sob o enfoque do Budismo, Cristianismo, Hinduísmo: Yoga e Tantra, Tradição Judaica, Via Mística do Islã, e, por fim, Taoísmo.

Na leitura de Antologia do Êxtase percebemos que o real não pode ser vivido exteriormente. Por sua profunda significação na psicologia humana, esse livro é obrigatório a quem compreende que o Universo é uma subjacência bem além dos sentidos psicobiológicos do homem.

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A FÍSICA DA ALMA – AMIT GOSWAMI

Vitor Silva

O cientista Amit Goswami costumeiramente visita o Brasil para dar palestras, e por duas vezes foi entrevistado no programa Roda Viva da TV Cultura. Seus estudos tocam os domínios da Ciência, notadamente a Física Quântica, da Religião (como o conjunto de ensinamentos transcendentais) e da Filosofia. Referindo-se tais estudos às potencialidades da Consciência, com “c” maiúsculo.

Alvo de severas críticas por alguns membros da Comunidade Científica, por causa de sua militância espiritualista, Amit entende (como outros antes dele) que os conceitos revelados pelos estudos quânticos sugerem uma espécie de conexão fundamental entre todas as partes que compõe o universo. Desde as manifestações ondulatórias da matéria, aos pensamentos altamente criativos. Espiritualizando ainda mais os abstratos conceitos de causas e ordens desenvolvidos pelo físico David Bohm.

A base fundamental do pensamento de Goswami diz respeito às relações que ele costura entre os paradoxos quânticos (um campo continuamente aberto) e a natureza do espírito, em sua terminologia, mônada quântica. Procurando resolver a separação sujeito/objeto mediante soluções que remetam a um monismo ideal, estado que unifica o pertencimento autônomo de um sujeito e de um objeto visado, encetados numa meta-realidade ou Real.

O autor pretende encarar o secular problema de uma intencionalidade permeando os fenômenos da vida. Reavivando, com novas colorações, os antigos e presentes conceitos da relação entre matéria e pensamento, causalidade e acaso, sobrevivência pós-morte do indivíduo, natureza última do ser, e outros assuntos de difícil trato. Alinhando-se, por consequência, aos pensadores no limite da apropriação da Física para a solução de problemas de natureza transcendental. Visando, por fim, demonstrar a inconsistência do universo sem algo, definido pela coletividade, como Deus.

Para este autor, é a consciência a causadora da matéria, e não o contrário. No livro encontramos a síntese do pensamento sobre essa causa formadora, invertendo a ordem tradicional, a causa ascendente: átomos – moléculas – células – cérebro – observador. Para uma causa descendente: consciência – átomos – moléculas – células – cérebro – observador. Mas, ao final, veremos que outros níveis de organização da consciência, são também consciência. Para não ocorrer divisões cartesianas, a consciência tem de possuir algo de matéria, ao passo que a matéria deve possuir algo espiritual, para a manutenção do monismo.

No princípio da geração de um ser vivo, a observação, dentro da proposta de Amit para a mensuração quântica (quando múltiplas facetas de uma possibilidade se reduzem a uma única faceta, mediante medida), guia e transcende a consciência de ser um mero fenômeno secundário da matéria. Segundo Goswami, desde que o organismo seja capacitado de percepção, será capaz de influir na construção e individualização de seus corpos sutis, em especial, os corpos vital e astral, que são tratados dentro do olhar hinduista.

O livro é rico em exemplos, e conta com a fácil exposição de ideias, sem deixar de trabalhar com pesquisas de grande complexidade. Conta também com a reunião de alguns pensamentos sobre reencarnação, ufologia e até mesmo sobre viagem no tempo. Ideias essas, de grande liberdade, chamadas jocosamente por alguns físicos de “experiência de pensamento”. Apesar da exposição tranquila, o livro requer certo conhecimento científico, ou determinação para buscar em outros autores as propostas ali ventiladas.

O grande valor destes estudos é que sua estrutura necessita da pesquisa experimental, não temendo, pois, o confronto com a pesquisa tradicional e o método consagrado em outras disciplinas. Ao contrário, espera no futuro que seus postulados possam ser passíveis de acerto pelas experiências. Como já vem fazendo muitos parapsicólogos mundo afora. Sem isso, teríamos ao nosso lado mais uma filosofia criativa sobre problemas metafísicos.

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CONVERSAS COM KAFKA – GUSTAV JANOUCH

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Vitor Silva

Quando o pai do jovem Gustav Janouch tenta desvendar o motivo das contas de luz da casa terem ficado mais caras, descobre em seu filho um poeta das noites. Sem ter melhores meios para avaliar a qualidade dos versos do filho (então com dezessete anos), recorre ao colega de trabalho, o advogado Franz Kafka. Janouch fica inicialmente fascinado ao saber que o autor do livro Metamorfose seria aquele que julgaria seus versos. Posteriormente descobre em Kafka uma pessoa simples, sem figuras de escritor. Desde o primeiro contato, nasce a relação de mestre e pupilo, transformada com tempo, em confiança mútua.

Logo nas primeiras páginas vemos o perfil psicológico e estético de Kafka transparecer para Janouch. Por trás do homem meticuloso, reservado, trabalhador de um serviço burocrático que o infelicitava como se fosse uma prisão, “trago minhas barras junto comigo”, pág 21, revela-se o atento observador de si, do outro e da sociedade.

As conversas são descontínuas, por vezes fragmentárias. A saúde do gênio tcheco estava sempre irregular, causando alguma distância entre as conversas. Não podemos medir as lacunas de tempo entre os diálogos, o autor cometeu o esquecimento de anotar as datas, fato corrente no livro inteiro.

Destoando do movimento literário de hoje em dia, Kafka não nutria pretensões no mundo da literatura, até certo ponto recusava seu destino. Fiel ao espírito autocrítico, sempre desviava de comentar seus livros, que só vieram à luz por causa do trabalho de dois amigos do pequeno círculo literário em comum.

As lembranças de Gustav Janouch estão mergulhadas em certo romantismo, embora sigam um roteiro estimulante pela leveza das descrições, e que por fim tornam-se contrastantes diante dos pensamentos realistas e despidos do autor de O Processo. Não são tantos os livros dos que conviveram com Kafka, como o que reúne as cartas trocadas entre o escritor e sua tradutora para o tcheco (Kafka escrevia em alemão), a senhorita Milena Jasenska (Lettres à Milena).

O livro perpassa assuntos da literatura tcheca e universal (sempre com observações inusitadas), posições políticas, o sionismo, o teatro, as artes plásticas, expoentes do Expressionismo, entre outros temas.

Contando com notas de fim para situar-se pessoas, lugares e situações, a obra oferece uma dimensão singular para o surpreendente universo kafkiano.
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Livro: Conversas com Kafka
Autor: Gustav Janouch
Tradutor: Celina Luz
Páginas: 237
Edição: 1ª (2008)
Editora: Novo Século

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